Por Murillo de Aragão – Atualizado em 15 May 2020, 11h25 – Publicado em 15 May 2020, 06h00
Ainda lutamos contra as consequências imediatas da pandemia provocada pelo novo coronavírus, mas isso não impede que já nos perguntemos sobre o que fazer ao vencer a crise. Sim, porque não basta sair dela. É preciso saber como nos reinventaremos depois, já que seus efeitos econômicos de longo prazo serão duradouros. A reinvenção da economia deveria ter como baliza o elevado número de desempregados que certamente teremos ao final da crise, o tombo no PIB e o rombo gerado por um novo refinanciamento da dívida tributária, que será, fatalmente, imposto pelo Congresso Nacional.
A qualidade da saída da crise depende tanto do seu enfrentamento diário quanto da antecipação de suas consequências. No setor privado, a reinvenção já está em curso e, como sempre, mais avançada do que no setor público. Não à toa vemos empresas com milhares de funcionários operando em regime de home office. E o uso intensivo de entregas em domicílio paralelamente à dinamização das videoconferências. Mas falta sangue, vale dizer, crédito, para irrigar o corpo econômico.
No setor público, a resposta ainda é inconsistente. Pode até estar sendo ágil para distribuir dinheiro aos mais vulneráveis, mas a questão é mais profunda. O crédito ainda não chega às empresas e os setores que podem quebrar estão em negociações intermináveis com o BNDES. Os bancos privados, como sempre, jogam duro com a concessão de crédito. Setores do governo apostam que o fim do isolamento social trará de volta a retomada. É um enorme engano. A economia levará alguns trimestres andando de lado antes de começar a se recuperar de forma vigorosa. E dificilmente será uma recuperação em V, visto que o consumo será diferente tanto na forma quanto na intensidade.
“Setores do governo apostam que o fim do isolamento social trará a retomada. É um enorme engano”
Sem injeções de adrenalina no coração da economia — que é o setor privado — poderemos ver um festival macabro de quebradeiras e demissões. As atitudes precisam ser mais assertivas porque: a) historicamente, a retomada em crises econômicas é dolorosa; b) nossos problemas pré-pandemia atrapalharão a recuperação; e c) nossas respostas econômicas ainda são parciais e inadequadas.
O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, sugeriu a formação de um comitê de crise do governo com o setor privado, o que já deveria ter sido adotado há muito tempo. O governo federal sozinho, sem o setor privado e sem os estados e os municípios, não resolverá a situação. A crise também não será solucionada sem expansão do crédito e sem investimentos em urbanização, habitação e infraestrutura.
Em meio à crise, o setor exportador vem conseguindo dar respostas porque já estava mais bem estruturado. Os demais setores vitais de nossa economia ainda andavam de lado por causa da vagarosa recuperação. Assim, a reinvenção da economia passa por atacar questões remanescentes, tais como simplificar o sistema tributário e desburocratizar o Estado, além de enfrentar os desafios postos pela crise.
Infelizmente, o conjunto da obra até agora demonstra que teremos de piorar para voltar a melhorar. E, muito provavelmente, com receituário mais forte. Como paciente, o Brasil ainda não entrou na UTI. Mas é quase certo que dela não se livrará.
Publicado em VEJA de 20 de maio de 2020, edição nº 2687
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