Entender esse tema é fundamental porque determina o tipo e valor do benefício previdenciário a que o empregado terá direito
Leonardo Bertanha e Mauricio Goes | Especial para ACidade ON22/5/2020 07:00
Profissionais de saúde diagnosticados com COVID-19 configuram casos de doença ocupacional? E funcionários de escritórios, fábricas ou que estão trabalhando em home office? Estes podem alegar que contraíram o vírus em ambiente de trabalho ou mesmo em determinadas viagens profissionais?
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no final de abril, de forma liminar, suspender a vigência do artigo 29 da Medida Provisória nº 927, que prevê que não serão considerados ocupacionais os casos de contaminação pelo novo coronavírus, exceto se houver comprovação da causa e efeito (nexo causal), ou seja, se o ambiente de trabalho ou as funções exercidas pelos empregados causaram a contaminação pela Covid-19.
Diante desta decisão do STF, surgiu o questionamento: a Covid-19 diagnosticada em empregados será automaticamente reconhecida como doença profissional?
Nossa resposta é não!
Apesar do teor dessa decisão, a questão pode e deve ser analisada pela disposição do artigo 20, parágrafo 1º, alínea “d”, da Lei 8.213/91, que estipula que as doenças endêmicas não são consideradas doenças ocupacionais, assim como aquelas patologias degenerativas, inerentes a grupos etários ou que não acarretem incapacidade para o trabalho.
Entender esse tema é fundamental porque determina o tipo e valor do benefício previdenciário a que o empregado terá direito, caso ele se afaste do trabalho por mais de 15 dias. Além disso, indicará se o empregado tem (ou não) direito à garantia de emprego pelo período de 12 meses, a contar da alta médica e retorno às atividades profissionais, além de outros temas que estão relacionados à responsabilidade do empregador.
Não há, na legislação brasileira, a presunção de causa e efeito entre a atividade profissional realizada e a doença. É necessário realizar perícia médica pelo INSS para reconhecimento de doença ocupacional (ou doença do trabalho).
Identificar o nexo causal é um desafio no contexto da pandemia. Os órgãos de saúde consideram a pandemia como o pior dos cenários de uma doença infecciosa que se espalha por diversas regiões do planeta simultaneamente. Ou seja, em vários países e continentes, a mesma doença afeta parte da população, dificultando ou até mesmo impossibilitando a descoberta da origem do contágio.
Nesse cenário, as pessoas podem se contaminar no contato com familiares, amigos, pessoas na rua, ao usar o transporte público, em estabelecimentos comerciais ou ao receber produtos entregues por delivery, por exemplo. Assim, não há como estabelecer uma presunção de doença profissional em caso de empregados diagnosticados com a Covid-19.
É necessário comprovar que a exposição ou contato direto como o novo coronavírus ocorreu durante o exercício das atividades profissionais, como se observa com os profissionais da saúde. Na hipótese de um empregado apresentar atestado médico comprovando o contágio pela Covid-19, por exemplo, este deverá ser afastado, conforme recomendação médica.
Neste sentido, inclusive, o empregado contaminado pela Covid-19, mas assintomático e que foi afastado do trabalho para evitar contágio dos demais empregados, a nosso ver, poderá trabalhar em sua casa (trabalho remoto), na hipótese de seu cargo assim permitir. Caso contrário, se a Covid-19 se manifestar de forma contundente (febre, tosse, cansaço, dor de garganta, falta de ar), o empregado deverá permanecer de repouso, sem trabalhar e seguir as devidas orientações médicas, sendo que o período inicial de 15 dias será pago pelo respectivo empregador e o período posterior pelo INSS, por meio do benefício previdenciário correspondente.
Diante do cenário de pandemia, nossas principais orientações aos empregadores passam pela implantação de um Comitê de Crise multidisciplinar para enfrentamento do novo coronavírus, além de estruturar e apresentar um plano de contingências com as medidas, ações e cuidados necessários para combate da Covid-19, seja para os empregados que atuam em home office, como principalmente para aqueles que deverão trabalhar presencialmente. Essas condutas servirão para proteger e comprovar a diligência das empresas na hipótese de discussões, administrativa ou judicial, no intuito de afastar os riscos de configuração da Covid-19 como doença profissional.
Sócio na área Trabalhista da unidade Campinas de TozziniFreire Advogados, Leonardo Bertanha atua em negociações de instrumentos coletivos de trabalho e realização de sindicâncias internas, auditorias legais e due diligence. Assessora clientes em processos judiciais e administrativos, individuais e coletivos, inclusive relativos aos movimentos de greve, estruturação e execução de planos de contingências e participação nos lucros e resultados, além de estratégias para efetivações de demissões coletivas, planos de demissão incentivada e terceirização de serviços. Detém vasto conhecimento na assessoria em procedimentos fiscalizatórios e administrativos realizados pelo Ministério da Economia, além de procedimentos preparatórios e inquéritos civis instaurados pela Procuradoria Regional do Trabalho. Contato: [email protected]
Maurício Goes é advogado trabalhista, sócio do escritório TozziniFreire Advogados. Doutor em Direito pela UNISINOS, mestre em Direitos Fundamentais pela ULBRA, especialista em Direito do Trabalho pela UNISINOS. Professor do Mestrado Profissional da UNISINOS, da Graduação e da Pós-Graduação da PUC E do Curso de Pós-Graduação na UFRGS. Membro Titular da Cadeira 33 da Academia Sul-rio-grandense de Direito do Trabalho
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